O aluno do Ensino Fundamental I erra muito as contas porque, estando ainda no período das operações concretas, não tem maturidade biológica e cognitiva para entender as contas, os algoritmos. Ele opera com as abstrações pseudoempíricas, enquanto os algoritmos operam com a abstração refletida, própria do período das operações formais.
É, professora, você às vezes se desespera e sente desanimada ao ver que, apesar de ensinar e ensinar as quatro operações matemáticas fundamentais, os alunos erram e erram.
Saiba, professora, que a culpa não é sua. É do sistema.
Isso mesmo do sistema. A maneira como se ensina os algoritmos, as contas, não leva em consideração o período de desenvolvimento do aluno.
O aluno do Ensino Fundamental I está no período das operações concretas.
O que isso quer dizer, professora? Lembra-se, você aprendeu os períodos de desenvolvimento ensinados por Piaget.
Nos períodos sensório-motor e pré-operacional os alunos trabalham apenas com o concreto. Estas são as fases da abstração empírica.
A palavra abstração pode parecer algo complicado, professora, mas é fácil de entender.
É uma palavra que veio do latim. Seu significado é arrastar, retirar, puxar, extrair etc.
O nosso contato com o mundo, com a realidade que nos cerca, se dá através dos nossos cinco sentidos.
Ao perceber alguma coisa, a nossa mente toma ciência dessa coisa entre milhares de outras coisas que estão no ambiente.
Portanto, escolhemos essa alguma coisa que chamou nossa atenção. Isolamos essa coisa e vamos observá-la, estudá-la ou não.
Cabe observar, então, professora, que a abstração é uma operação mental. Algo foi arrastado, retirado, puxado do meio ambiente pela nossa percepção por um dos nossos sentidos.
Professora, Becker nos ajuda a entender bem esse processo ao analisar a forma profunda como Piaget trabalhou a teoria das abstrações.
Algo nos chamou a atenção, por algum de nossos sentidos, como saborear uma maçã, tocar em um relógio, seguir com o olhar um carro que passa ou observar ações das pessoas como digitar um texto, dirigir um automóvel, crianças brincando.
São qualidades que retiro dos objetos: maçã, relógio, carro; ou das ações: digitar, dirigir, brincar.
São coisas que retiro dos objetos, são coisas observáveis. Essa é a característica da abstração empírica.
A criança dos períodos sensório-motor e pré-operatório fazem mais abstrações empíricas. Apoia-se no objeto para construir conhecimento, retirando informações desse objeto.
A criança do período sensório-motor ao olhar, agarrar e sugar seu chocalho coordena em sua mente três ações: olhar, agarrar e sugar. Essas ações são operadas pela mente do bebê.
É claro que o bebê não pensa como uma pessoa adulta. Ele não tem um pensamento estruturado ainda. Mas ele coordena as ações mentalmente. Já é um esboço de pensamento.
Coordenar ações mentalmente é uma abstração reflexionante. Este tipo de abstração existe em todos os períodos de desenvolvimento, mas vai sendo aprimorado em cada período seguinte.
Ao reconhecer uma bicicleta, faço isso por abstração empírica. Mas se afirmo que é uma bicicleta ecológica, o ecológico é uma qualidade atribuída à bicicleta. Isso é abstração pseudoempírica.
O ecológico é um adjetivo, uma qualidade, que coloco na bicicleta: um meio de transporte que não polui o meio ambiente.
A abstração pseudoempírica ocorre quando, apoiado nos objetos, retiro desses objetos coisas que coloquei nelas.
No período pré-operatório a abstração pseudoempírica se torna predominante. Ela é pseudo, isto é, falsamente empírica. É uma abstração em que coordeno ações na mente, porém, ainda preciso de objetos, do concreto, para operar mentalmente.
Se olho para um objeto, entre inúmeros outros objetos, e reconheço: ovelha, isso é uma abstração empírica. Por quê?
A minha vista abrange inúmeros objetos ao meu redor, porém, selecionei um único objeto, a que dei o nome de ovelha, para prestar atenção nele. A minha mente abstraiu, retirou desse objeto características a que se convencionou chamar de ovelha.
O substantivo dá nome às coisas. Ao reconhecer as coisas pelo nome faço uma abstração empírica: reconheço naquele objeto determinadas características e essas características condenso em um nome, em um substantivo.
Reconhecer é abstrair.
Ao olhar para a ovelha, se penso, ovelha feia, estou atribuindo uma qualidade a essa ovelha. Feia é um adjetivo.
Essa qualidade, feia, entretanto, é algo criado em minha mente. Para outra pessoa, pode não ser verdade.
Ao adjetivar, nesse caso, faço uma abstração pseudoempírica, coloquei no objeto ovelha uma qualidade que criei em minha mente.
Se eu digo: ovelha muito feia, eu intensifico a condição de feia. É uma operação mental de reforçar com um advérbio o adjetivo feia. Então, estou fazendo uma abstração reflexionante.
Vamos usar, professora, a História da Matemática para exemplificar melhor essa teoria piagetiana das abstrações.
Quando o ser humano não sabia contar, ele criou artifícios para quantificar objetos.
Enquanto ele tinha, por exemplo, poucas ovelhas, ele não precisava saber suas quantidades.
A partir do momento que esse número de ovelhas cresceu, ele teve a necessidade de se certificar essa quantidade.
Diferenciar qualquer ovelha de seu rebanho é fazer uma abstração empírica. Se ele pensa: aquela ovelha sua mente está operando a abstração empírica.
Ao não saber contar, o pastor criou o artifício da correspondência um a um: uma pedra para cada ovelha. Isto é abstração pseudoempírica.
Correlaciona uma pedra a uma ovelha. Mas a atribuição é apenas em sua mente. Se ele possui 30 ovelhas, ele vai fazer um monte de 30 pedras para equiparar com a sua quantidade de ovelhas.
Se qualquer outra pessoa visse esse monte de pedras, seria apenas um monte de pedras. A quantidade equivalente monte de pedras = monte de ovelhas é uma qualidade mental apenas do pastor, que ele colocou em sua mente.
Se o pastor tivesse uma quantidade muito maior de ovelhas, e usasse o artifício da correspondência um a um, porém, enfileirando três carreiras de pedras, ele estaria fazendo uma abstração reflexionante.
Pois o monte da direita poderia corresponder às unidades, o segundo mais à esquerda corresponderia à dezena e o terceiro ainda mais à esquerda poderia ser as centenas, outra pessoa poderia também ler esse resultado como quantidade de objetos.
O pastor estaria usando o princípio do Valor Posicional. Cada fileira corresponderia a um lugar, uma posição: unidades, dezenas e centenas. Ele deixaria registrado nas fileiras uma intenção, tendo como base um valor de posição.
Usando a correspondência um a um, uma pedra para cada ovelha, porém, ao distribuir as pedras em três colunas, o pastor, intencionalmente, construiu uma nova estrutura, em que deixa a marca de sua intenção.
Ele, mentalmente, coordenou a correspondência um a um com o Valor Posicional. Cada pedra, em cada coluna, simbolicamente, corresponderia às unidades, dezenas ou centenas, conforme o lugar que ocupasse.
Isso é abstração reflexionante: coordenar ações mentais e criar nova estrutura.
Como bem enfatiza Becker, no início de seu desenvolvimento a criança faz abstrações empíricas. No período sensório motor elas predominam.
No final desse período, aparecem as abstrações reflexionantes que irão predominar no período pré-operatório.
Já no período operatório concreto surgem as abstrações pseudoempíricas.
O período operatório formal, a partir dos 10-12 anos vê aparecer as abstrações refletidas. Essas operações refletidas são abstrações reflexionantes com tomada de consciência.
Quando o aluno soma 3 + 3 + 3 e chega ao resultado 9, ele está operando mentalmente uma soma e fazendo abstração reflexionante, pois está somando grupos de 3.
Ao descobrir que 3 + 3 + 3 = 3 x 3, ou seja, coordenando, mentalmente, as duas ações de somar em uma única de multiplicar, o aluno tomou consciência que somar 3 + 3 + 3 é igual 3 vezes 3. Ele faz uma abstração refletida.
Note, professora, que a criança do Ensino Fundamental I está na fase das operações concretas e ele PRECISA das abstrações pseudoempíricas.
Ele necessita do objeto concreto, ele precisa se apoiar no concreto para poder operar. Por isso, ele erra tanto as contas. Nessa fase, ele opera mais com quantidades. Para ele, é basicamente impossível manipular números escritos que são símbolos.
Essa é uma impossibilidade biológica. Nessa fase, operações concretas, o cérebro do aluno ainda é imaturo e ele não consegue, biologicamente, fazer as operações formais.
A neurociência cognitiva nos explica isso muito bem.
A neurociência estuda o funcionamento do cérebro, professora. A neurociência, ao se aliar à psicologia cognitiva, forma a neurociência cognitiva.
A neurociência cognitiva procura entender a relação do cérebro com a mente.
O ser humano muda seu comportamento ao longo sua vida. O comportamento infantil e diferente do comportamento adolescente que, por sua vez, é bastante distinto do comportamento adulto.
A forma como o comportamento muda pode ser explicada pelo desenvolvimento do cérebro.
A maturação do cérebro, professora, está intimamente ligada ao desenvolvimento de diversas habilidades comportamentais e sociais.
A massa cinzenta cerebral se desenvolve ao longo dos anos. Nos primeiros anos de vida o desenvolvimento da massa cinzenta do cérebro, na região frontal, é pequeno.
Nos dois primeiros anos de vida, há um desenvolvimento das áreas sensitivas e motoras do cérebro, conectando-se umas as outras possibilitando o crescimento das atividades sensoriais e motoras. Corresponde ao período sensório-motor piagetiano.
Nesse período, a criança faz abstrações empíricas, pois a maturidade de seu cérebro possibilita e aprimora atividades sensoriais e motoras.
Dos dois aos cinco anos, professora, desenvolvem-se atividades motoras e de percepções mais complexas. A linguagem aprimora-se e as áreas laterais do cérebro crescem. É o período pré-operacional piagetiano.
Persistem ainda nesse período as abstrações empíricas. Aprender o nome das coisas se dá pela abstração empírica: dar um nome ao objeto, um símbolo para um objeto.
Ocorre o aprimoramento das áreas parietal que possibilita cultivar atividades mentais mais complexas relativas aos níveis simbólico e de criação de conceitos. É o período das operações concretas piagetiano entre os 5 e 12 anos.
Nesse período das operações concretas, professora, fazem-se abstrações pseudoempíricas. A maturidade cerebral só permite trabalhar símbolos e conceitos se eles tiverem ancorados em coisas concretas.
A partir dos 10 anos aperfeiçoa-se a área pré-frontal. O lobo pré-frontal desenvolve-se de trás para a frente, sendo um dos últimos que se desenvolve. A região pré-frontal cumpre funções executivas do cérebro.
O lobo pré-frontal gerencia a memória, raciocínio, resolução de problemas, assim como planejamento e execução de tarefas. Corresponde ao período das operações formais piagetiano.
A maturação da região pré-frontal, professora, é a mais longa e só vai se completar entre os 20 e 30 anos da pessoa.
As células que compõem o cérebro são os neurônios. E os neurônios têm a capacidade de aprender. Eles acumulam informações vindas dos sentidos ou da mente e as armazenam e transmitem a outros neurônios.
A aprendizagem não é algo abstrato, professora. É um processo físico. Aprender é criar novos neurônios. O que acontece durante toda a vida das pessoas.
O cérebro humano é plástico, isto é, está sempre em processo de mudança. Isso se chama neuroplasticidade.
Experiências científicas mostraram que a experiência, a prática, conduz à perfeição. Tudo que exercitamos se grava em nosso cérebro. Os neurônios são os responsáveis por isso.
A célula nervosa, o neurônio, possui um núcleo, um prolongamento chamado axônio no final deste há ramificações que são os dendritos.
Um neurônio não se liga a outro. A comunicação entre eles acontece em um lugar chamado sinapse. Entre um neurônio e outro há a fenda sináptica, um pequena abertura.
A comunicação entre os neurônios, professora, ocorre por meio de impulsos elétricos ou químicos. O impulso elétrico parte do núcleo do neurônio e caminha pelo seu axônio e ao chegar nos dendritos libera substâncias químicas, os neurotransmissores, e dessa forma um neurônio se comunica com outro.
O processo de aprendizagem envolve a criação de novos neurônios, novos dendritos que vão produzir ligações sinápticas.
A neurociência fez experimentos com violinistas. Por meio de imagens eletromagnéticas constatou que a região cerebral em que se registram os impulsos que veem dos dedos esquerdos desses violinistas ocupa uma porção maior do cérebro que a região dos não violinistas.
Para tocar violino, professora, a mão esquerda precisa dedilhar as cordas e esta prática, este treino constante, aumenta o número de neurônios, o número de dendritos que produzem mais ligações sinápticas, aumentando a área cerebral dessa região.
Em relação à Matemática, para efetuar cálculos exatos (contas) utiliza-se a parte anterior do córtex cerebral como mostram neuroimagens funcionais.
Quando os fatos aritméticos são automatizados, já foram decorados, a área ativada se desloca para a parte de trás do cérebro, giro angular esquerdo.
Isso deixa claro, professora: se fazer contas depende do córtex frontal e se o córtex frontal ainda está em desenvolvimento na fase em que a criança está no Ensino Fundamental I, então A CRIANÇA ERRA AS CONTAS PORQUE SEU CÉREBRO NÃO ESTÁ MADURO.
Por essa razão, o aluno faz abstrações pseudoempíricas nesse período das operações concretas.
Por isso, Piaget, recomendava que nesse período do desenvolvimento, PRECISA se usar o material concreto.
Essa a razão da necessidade do material concreto, professora. A abstração é pseudoempírica: falsamente empírica, pois a criança se apoia no concreto para raciocinar. Ela precisa do material concreto porque seu cérebro ainda não adquiriu maturidade para efetuar contas.
O aluno não erra as contas porque é burro. Ele erra as contas por imaturidade biológica de seu cérebro.
A imagem (editada) nos auxilia a compreender, especialmente, a dica da professora de gravata.
É sempre bom lembrar que um professor de Einstein, quando este tinha 9 anos, disse para seu pai que independentemente da profissão que Einstein escolhesse, ele nunca teria sucesso.
Einstein, professora, deixou seu cérebro para ser estudado pela ciência. Seu cérebro foi comparado com o de 35 homens e 50 mulheres que possuíam inteligência normal.
Os cientistas descobriram que os lobos parietais do cérebro de Einstein era muito maior que o das outras pessoas: 15% mais largos.
A área parietal inferior é responsável por coordenar a função matemática, além de se relacionar profundamente com memória de vocabulário e reconhecimento da linguagem.
Isso mostra a neuroplasticidade cerebral, professora. Uma das regiões denominada opérculo parietal do cérebro de Einstein diminuiu, possibilitando que o lobo parietal crescesse 15% mais do que ocorre normalmente.
O treinamento, a aprendizagem, efetiva leva à perfeição. Aprender é modificar o cérebro. Não é algo abstrato. É concreto.
Seus alunos, professora, nasceram na era digital. A linguagem que mais dominam é o vídeo.
O vídeo é material concreto. Trabalha com imagens e a imagem é gritantemente concreta, conforme afirma Souza.
Se seus alunos do Ensino Fundamental I estão na fase das operações concretas e fazem abstrações pseudoempíricas, se você utilizar vídeos, vai facilitar a aprendizagem das quatro operações matemáticas fundamentais.
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SANTOS, Willian M. dos. Música: uma ferramenta interdisciplinar para o ensino de matemática. 2012. 123f. Monografia (Licenciatura em Pedagogia) – Universidade Paulista: Santos, 2012.